Frágeis Flores

Não chorou; sua alma era das que não têm lágrimas, enquanto lhe restam forças.

Natal

Já estamos naquela época do ano novamente, os enfeites, os presentes e mais uma vez eu falho em ser contaminado pelo espírito natalino.

Olhando para trás eu vejo que que sempre foi assim, o que parecia espírito natalino não era nada além de me fazer de bom para ganhar o presente que havia pedido. Triste, não?

Hoje longe de casa (o terceiro Natal que não passo junto a meus pais) e crescido, não existe a antecipação por presentes, os únicos que receberei serão apenas os que eu decidir me dar e não preciso fingir que sou uma boa pessoa, pelo menos não para mim.

Ainda assim, como passarei o natal com parte da minha família, precisarei mais uma vez esconder parte do que sou das pessoas ao meu redor, vestir mais uma vez a máscara de felicidade e deixar que todos pensem que eu sou um deles, que o espírito natalino me contagiou.

Eu gostaria de saber como as coisas serão no futuro, se o Grinch finalmente irá devolver meu Natal ou se esse vazio continuará a me consumir.

Irmãzinha

Eu ainda me lembro da primeira vez que eu a vi, meu pai havia ido buscar minha mãe no hospital, enquanto eu e meus outros dois irmãos ficamos ansiosos em casa, com vários papéis-de-carta bonitinhos e cheios de mensagens carinhosas para nossa nova irmãzinha.

Então eles chegaram, meu pai todo feliz dizendo: "Venham conhecer sua irmãzinha!", minha mãe fisicamente esgotada, mas com uma cara que denotava grande felicidade.

Fiquei sentado no sofá enquanto meus irmãos rodeavam minha mãe tentando atrair a atenção daquela pessoa minúscula, escondida atrás de várias camadas de cobertinhas, todas bordadas.
A me ver apenas sentado ali sem esboçar qualquer outra reação, meu pai perguntou: "Não quer conhecer a Ledinha, Ciro?", mas não, eu não queria, tampouco tinha coragem para dizer que não.
A idéia de ter mais um irmão com o qual dividir a já escassa atenção da minha mãe não agradava. Relutante me levantei e fui até minha mãe, agora sentada no sofá com o pequeno embrulho no colo.

Quando cheguei e vi aquela coisinha rosada e com cara de joelho, não pude deixar de pensar: "Como eles podem estar tão felizes? Ela nem consegue abrir os olhos!", mas quando ela segurou meu dedo com suas mãozinhas pequenas e delicadas, não pude deixar de me apaixonar perdidamente.

E apesar dos altos e baixos da nossa relação até hoje, não consigo deixar de esquecer do firme aperto que recebi no meu dedo aquele dia, um aperto cheio de confiança e amor.

Linda melodia

Deitado no meu quarto olhando para o teto, deixando os pensamentos correrem livres pelas pradarias da minha imaginação, a ouvi. A princípio bem baixinho, logo mais alto até ela dominar completamente meus pensamentos.

Uma melodia simples, mais bela. As notas se encaixando perfeitamente umas nas outras, o balanço entre graves e agudos, perfeito. Meus dedos começaram a se mover inconscientemente nas posições das notas, a partitura estava ali, pronta, bastando apenas me levantar e a escrever.

Olho para o lado e vejo minha velha flauta, companheira de muito tempo. Quantas vezes ela não foi a única testemunha daqueles sentimentos que eu não tinha coragem de mostrar a ninguém, mas que eu contava tão facilmente para ela com algumas notas?

A vontade de apanhar a flauta e executar a melodia que estava presa na minha cabeça era muita, mas eu prometi que não o faria. Não, eu não iria compor até que meu coração não doesse mais. A melodia não se conformava em existir apenas na minha cabeça, queria sair e encantar a outros, mas fui firme e fechei os olhos tentando dormir.

Quanto tempo mais até que eu cumpra essa promessa? A dor que vem do meu peito me diz que não será pouco, mas quem pode ter certeza? Até ontem não havia nada ali...

Perdoe-me linda melodia por não te deixar sair e encantar. Eu sou egoísta e ciumento, como eu possivelmente poderia compartilhar você com o mundo? Linda melodia espere aí mais um pouco, até que a promessa tenha sido cumprida...
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Primeiro post depois da repaginação, percebi que ainda não havia escrito nada sobre música e optei por 'Linda melodia' para a estréia apesar de me parecer um pouco triste.
Espero que tenham gostado e que continuem me acompanhando todas as semanas aqui, abraços.

XXXII - Final

Escuta sem ouvir.

Olha sem ver.

Fala sem dizer.

Vive a vida pela metade, no automático, com os sentidos embotados de tal forma que a vida não passe de dias, um atrás do outro, sem grandes mudanças.

Não sofra, mas também não seja feliz.

Não sorria, mas também não chore.

Não odeie, mas também não ame.

Desperta para a vida, abra teus olhos, ouvidos, boca... Abre teu corpo! Joga-te no fogo da vida e deixa que ele te consuma de uma vez e aos poucos, cada pedaço um inteiro teu e assim, inflamado de vida, queima, queima e brilha para mostrar ao mundo que a vida não são dias iguais em sucessão, mas uma surpresa a cada respiração!
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Esta meus leitores, é a última postagem do Le Renard sans La Rose.
Foram bons meses desde a primeira postagem até hoje, as postagens assim como minha vida nem sempre foram agradáveis.
Agora resta seguir em frente esperando e lutando para que o melhor venha.
A partir de segunda-feira este blog passará a se chamar Frágeis Flores, o título que inicialmente eu havia planejado e as postagens continuarão, espero que algum dia eu ainda consiga postar aqui a história da Raposa que se apaixonou por uma Rosa.
Vejo vocês na próxima semana, sempre seu,
Ciro Cruz

XXXI - Fragmentos

Com as luzes apagadas o circo era um lugar assustador, totalmente silencioso se não fosse pela música de um realejo que não parava de tocar como se estivesse convidando os mortos para o espetáculo da meia-noite. “Venham todos, o grande circo fantasma está para começar!” disse o mestre de cerimônias em suas roupas rotas sujas de terra. Quase não havia mais carne naquele rosto praticamente decomposto, ainda assim a figura esquelética continuava a anunciar o show com seu eterno sorriso sem lábios, o show dos mortos.
...

Ela não conseguia esconder as lágrimas que insistiam em aparecer sempre que o bardo tocava aquela música no seu velho bandolim. A música não era triste, longe disso, era alegre e a fazia se lembrar os velhos tempos com seus pais na casa do campo. Vai ver essa era a razão das lágrimas, aquela saudade triste de tempos alegres que não voltam, mas que esquentam o coração sempre que nos lembramos deles.
...

Ssshh... Você consegue ouvir? É a Loucura sussurrando a nossa volta. Com sua voz doce ela sussurra mansamente ao nosso redor e logo estamos impregnados Dela. Preenchendo aquele vazio dentro de nós Ela vem, velha Loucura que não pede motivos ou dá explicações. Venha, dance conosco ao som do silêncio, se entregue sem reservas a essa dança de loucos!

XXX

E mesmo no pior do inverno, quando a caça se escasseia e a preocupação com a sobrevivência aumenta, é preciso tirar um tempo apenas para o coração...

XXIX

Minhas resoluções (principalmente as relacionadas a mudanças) sempre foram como castelos de areia construídos na praia da vida. Invariavelmente a maré subia e as ondas do mar das desilusões vinham e destruíam os castelos, jogando por terra todas as minhas resoluções.


Assim quando a mudança acontece sem que resolução alguma tenha sido feita é estranho, não houve o desejo, não naquele momento, mas ainda assim ela aconteceu.


Felicidade, um sentimento de plenitude, coisas que jamais eu havia experimentado antes se tornaram lugar comum e a tristeza constante, apenas uma lembrança desbotada...


Fé, eu tenho fé que isso irá permanecer assim por um bom tempo, é o que os olhos dourados da raposa me dizem e sem medo algum no coração, sigo em frente.

XXVIII

Você já viu uma corsa selvagem? Se não, ou apenas pela televisão deixe-me explicar como é...

Ela fica parada te encarando, prestes a correr a qualquer momento. Seu coração bate rápido enquanto você tenta se aproximar sem fazer qualquer movimento brusco ou perder o contato visual. Você diz suavemente que não quer lhe fazer mal, ela, no entanto, sem entender o que você diz, se guia pelo tom da sua voz. Caso você tenha sorte conseguirá se aproximar bastante para acariciá-la... E quando você menos espera, ela foge, correndo para a mata tão rápido que fica difícil dizer se ela realmente esteve ali.

Eu digo isso, amigo leitor, pois é exatamente assim que eu vejo o amor. Apesar de tantos escritores através do tempo o terem descrito infinitamente melhor do que eu, ainda assim tenho que tentar.

Conquistar o amor de alguém, é como tentar se aproximar de uma corsa selvagem, é como aprender uma língua nova que não sai da sua cabeça...

E sem ter dito muito, me despeço, mesmo querendo dizer mais sobre o amor, ainda não conquistei o meu, que por enquanto é uma corsa selvagem e todo cuidado é pouco, e todas as palavras insuficientes e todo o tempo... insignificante.

XXVII

Caí e levanta, deixa teu corpo mostrar o caminho, as feridas que se abrem inevitavelmente vão se fechar deixando apenas cicatrizes, que embora feias, são mais resistentes e não irão se ferir tão facilmente da próxima vez.

Embotoa a mente, caleje o coração, torna-te insensível de corpo e alma, pois no caminho que escolheste não haverá tempo para a tristeza e o sofrimento, tampouco para o amor...

Gasta tua voz até que ela se perca para sempre, do contrário teus gritos o levarão à loucura, e louco não conseguirás prosseguir. Abandona também o medo, medo que irá te afastar do caminho, o caminho é duro, sim, mas o tomaste por conta própria.

Leva contigo apenas teu nome e não o perca jamais! Sem teu nome não serás ninguém e sendo ninguém o caminho não terá importância alguma.

Caminha e caminha, fortalece tuas pernas e caminhe mesmo que o fim esteja longe, abandone tudo e esqueça tudo, menos de teu nome e de como caminhar...

XXVI

Minha ânsia de viver não se satisfaz apenas com uma vida, assim sendo, vivo várias ao mesmo tempo, vidas onde sou o herói que salva a mocinha ou o vilão que causa toda a destruição. Sou o cavaleiro que mata o dragão e o pirata que navega pelos mares em busca de um lugar para enterrar o seu tesouro. Sou eu e sou você, tudo junto quase igual, mas completamente diferente.

Crio e destruo mundos com a rapidez do pensamento, mundos onde mato, morro, sofro, amo, odeio, um caleidoscópio de emoções e sentimentos que se misturam na interminável ciranda de vidas.

Só há um problema: não tenho na minha cabeça lugar para tantas vidas, impossível mantê-las todas lá e ainda saber quem eu sou. Recorro então ao papel e a caneta e despejo nas páginas em branco o que não consigo guardar, mas que ainda é importante, senão essencial, para aplacar essa minha ânsia de viver, imensa e sem igual.

P.S.: Vou tentar programar minhas atualizações de forma que toda sexta-feira eu tenha algo novo para postar aqui.

XXV

O coração bate acelerado, o suor se acumula frio nas têmporas, a voz se torna um sussurro e as mãos não param de tremer. Ela pergunta o que há de errado comigo, como ela não poderia saber, sendo a causa de tudo isso? Abaixo os olhos e digo que é ressaca. Rindo ela diz que já tinha quase certeza, meu sorriso amarelo tenta acompanhá-la sem grande sucesso, o que ela não parece perceber.

“Vamos?”, sussurro mais do que falo, e ela diz sim. Saímos então em direção a sorveteria, ela me perguntando trivialidades, eu, lutando contra o nervosismo que ameaça me deixar mudo, tento responder na medida do possível.

Servimos-nos, sentamos e deixo que ela fale e fale... Minhas respostas as suas perguntas são em sua grande maioria monossilábicas e com a cara enterrada no sorvete evito um contato direto com seus olhos, em minha mente me vejo dizendo tudo o que sinto, ela dizendo que sempre sentiu o mesmo, então nos beijamos e somos felizes para sempre... Devaneios...

Quando o sorvete acaba, meu escudo se vai e tento, em vão, manter meu olhar preso ao dela, simplesmente não dá, impossível, pelo menos para mim. Lembro-me então de meus óculos escuros e os coloco podendo então me entregar ao caleidoscópio de emoções em seu olhar sem me acovardar.

Ela pergunta o porquê dos óculos, digo que a ressaca me deixa sensível a luz, aparentemente satisfeita ela continua a falar enquanto seus dedos tamborilam na mesa, em um surto de coragem tomo suas mãos entre as minhas sem dizer palavra e ela espantada me pergunta o que aconteceu, respondo dizendo que a batida estava me deixando nervoso e deixo minhas mãos ali, segurando as dela e meus olhos presos aos seus desejando forças para mudar, para abandonar a timidez e tentar a felicidade com a pessoa amada, impossível... Pelo menos agora...

XXIV

Você que me lê, eu pergunto: O que esperas da vida?

Se acaso for uma pessoa, diga e eu serei essa pessoa para você. Mesmo que no fundo não tudo não passe de uma mentira, uma ilusão, ainda estarei ao seu lado não importa o que aconteça.

Pergunta-me se “mentir” é errado? Apenas quando nega a si mesmo ao fazê-lo. Se não sabe quem és, como fingir ser outra pessoa pode ser uma mentira? Talvez não esteja sozinho leitor, talvez nunca sentisse a necessidade de alguém ao seu lado. Talvez a vida lhe seja fácil e você apenas deseje se identificar com o autor dessas míseras palavras...

Peço apenas... Não, imploro apenas que não me deixes sozinho! Ficar só até o fim dos meus dias é o maior de meus medos, maior mesmo até que o medo de que meus dias acabem.

Ama-me, ama-me com força leitor, me faça sentir único e especial, existirão recompensas, sim, mas nenhuma maior do que o bem que farás a mim.

XXIII

Cansei de ser, ser implica ser algo e no momento não quero ser ninguém, nada de nomes rótulos ou adjetivos.

Quero viver na não-existência, ser e não ser, tudo ao mesmo tempo, palavras sentimentos e ações.

Tão leve quanto a brisa e tão poderoso como um vulcão, tão frágil quanto a mais fina porcelana e tão resistente quando o mais duro diamante.

Ser ou não ser, a questão que assombrou até mesmo Shakespeare e continua assombrando a todos mesmo hoje.

Cansei de ser e também de não ser, quero vida, quero viver.

XXII

“Vamos, diga logo o que está te incomodando” disse o garoto com os cachos dourados.

“O que você quer dizer com ‘me incomodando’?” respondeu a garota dos cabelos negros.

“Nada, é só que você nunca diz nada mesmo” pensou o garoto. “Bobagem minha” ele disse a ela enquanto passada um braço sobre os ombros da garota que com um sorriso deu-lhe um beijo suave em seus lábios e se aconchegou junto ao seu peito.

Ele sabia que por mais que insistisse ela nunca lhe diria nada, ou melhor, diria com um sorriso que estava tudo bem, mas sem nunca conseguir esconder a tristeza que insistia em se mostrar em seus olhos.

“Um dia” ele disse, “não haverá mais razões para tristeza”. E a abraçou bem apertado, como se tentasse dizer com o seu corpo que ali, pelo menos naquele momento, ela não precisava mais ter medo, pois não estava sozinha.

Ela por outro lado, aconchegada como estava, ouvia o ritmo calmante do coração do garoto e não conseguiu deixar de pensar que logo chegaria a hora de partir. “Eu queria te contar tudo, de verdade” ela pensou, “mas você nunca entenderia, ninguém nunca entende. Se eu ficar, eles logo estarão aqui e irão machucar todos ao meu redor... E eu simplesmente não agüentaria ver isso acontecer novamente.”

E assim abraçados, o garoto dos cachos dourados e a garota dos cabelos negros assistiram ao pôr-do-sol de um lugar privilegiado à beira do lago, sem nunca saber o que o outro está pensando, mas entendendo o que o outro sente daquela forma especial que não precisa de palavras para acontecer. Ambos concordando que os breves momentos de felicidade, por mais fugazes que fossem, devem ser aproveitados ao máximo, afinal de contas isso é a vida real e não um conto de fadas qualquer.
P.S.: Ah, e hoje é meu aniversário.

XXI

Falta

Sinto falta do seu sorriso que nunca vi,
do seu cheiro que nunca senti,
do seu toque que nunca conheci.

Sinto falta dos passeios que nunca damos,
das juras de amor que nunca trocamos,
das noites de amor que nunca tivemos.

Sinto falta das brigas que nunca tivemos,
das pazes que nunca fizemos,
das tristezas e alegrias que não compartilhamos.

Sinto tanto a tua falta mesmo sem nunca ter te conhecido,
talvez não passasses de um sonho, sem nunca ter realmente existido.

XX

Voltei, apesar de nunca ter partido. Cheio de resoluções vazias para esse ano que começa. Desejos e esperanças, mas nenhum sonho, os meus se foram todos. Para onde vão os sonhos mortos?

Penso que assim como os elefantes, os sonhos sabem quando estão perto do fim, consigo imaginar sua caminhada pelo deserto da não-existência rumo ao grande cemitério dos sonhos.

Como seria esse cemitério? Assustador como o cemitério de elefantes que vemos em “Rei Leão” (1994)? Ou encantador como um grande jardim selvagem?
Mas, será que os sonhos podem mesmo morrer? Ou ficam nesse grande cemitério apenas esperando um novo portador, acreditando com todas as suas forças que esse será capaz de realizá-los.

Eu gostaria de visitar esse lugar um dia, quem sabe encontrar meus velhos sonhos e saber como eles estão, ou ainda encontrar novos sonhos para perseguir...