Frágeis Flores

Não chorou; sua alma era das que não têm lágrimas, enquanto lhe restam forças.

Interlúdio IV

Havia me despedido de Amana, mas ainda não sentia o desejo de voltar para casa, então, resolvi visitar uma região do sul de Minas banhada pelo lago de Furnas lugar recomendado por ela dizendo não haver outros vampiros por lá. Acabei escolhendo uma cidadezinha bastante pacata, Boa Esperança, para saciar minha sede por solidão. Mal sabia eu o que iria encontrar nessa cidade tão carente de vida noturna... Se eu porventura soubesse antes será que eu teria evitado meu encontro com ela? Aquela que finalmente derreteria o gelo de meu coração? Não sei... Provavelmente não, e mesmo que eu tivesse a coragem para evitar esse encontro, creio que levaria a eternidade me arrependendo da única chance que tive e perdi, chance de finalmente conhecer o amor.

Me alimentar ali seria um pouco difícil, eu teria que me contentar com a bebida breve, matar estava fora de questão, naquela cidade pequena onde qualquer fato fora do comum ficava na boca do povo por semanas, talvez meses. Devido ao efeito que o sangue dos trópicos causava em mim, era difícil me controlar, e às vezes precisava beber de três, quatro pessoas em uma noite.

Eu sabia dos boatos que corriam sobre mim, boatos esses que iam desde a hipótese de que eu seria um artista estrangeiro em férias, até o mais extremo deles, onde eu era um assassino serial fugindo da polícia, mal sabiam eles que este último estava mais próximo da realidade do que eles poderiam supor. Meus hábitos noturnos e meu comportamento evasivo nas relações sociais contribuíam apenas para fomentar mais boatos, chegando ao ponto onde algumas senhoras faziam o sinal-da-cruz quando me viam passando pela rua, o que me divertia imensamente.

O meu primeiro final de semana ali foi algo marcante, impossível esquecer o dia em que a vi pela primeira vez. Estava em um bar na beira do lago fazendo alguns desenhos da paisagem enquanto fingia beber alguma coisa, logo algumas pessoas se aproximaram, mas ainda sem coragem para falar comigo. Era uma bela noite, a lua cheia imensa em um limpo céu estrelado. É incrível como as estrelas eram visíveis ali, por um momento senti uma saudade das noites passadas com meus irmãos no campo, quando ficávamos deitados na varanda de casa observando as estrelas e fazendo planos para o futuro, felizes, mesmo com as dificuldades do dia a dia. Inocentes e sonhadores, como só as crianças sabem ser...

Foi então que a vi, caminhando com seus amigos, trocando sorrisos e brincadeiras, todos aparentemente felizes, jovens mortais com suas vidas inteiras pela frente. Era um grupo pequeno, mas que chamava atenção dos mortais a minha volta, fofocas e mexericos pipocavam ao meu redor de tal maneira, que tive que fechar minha mente para conseguir raciocinar. Ela estava linda, vestida com uma saia, cinza, pregueada com um corte lateral, que cobria três quartos de suas coxas, sua blusa, preta de alças, colada deixava transparecer as formas do copo e em seus pequenos pés sapatos de salto com bico fino. Suas pernas eram longas e alvas e seus cabelos castanhos iam até a altura do busto. Seu rosto era um caso a parte, como o descrever e conseguir passar toda a sua beleza? Apenas com palavras? Impossível, deixo apenas assim, era mulher, mas ainda tinha muito de menina, um rosto com lindos olhos cor de avelã decorado com uma boca carmesim. Não! Não consigo passar sua beleza com apenas palavras, então deixo que você leitor imagine o mais belo dos anjos deixado nessa terra com o propósito de fascinar a mortais e imortais com sua beleza.

Não deixei de ser notado pelo seu grupo e pude ver que falavam de mim, provavelmente alguma das fofocas que corriam a solta pela cidade, apenas ela, sem dizer nada, se limitou a me observar, desviando o olhar sempre que achava que também estava sendo observada por mim. Eu a desejei no mesmo instante, queria possuí-la ali, no meio de todos aqueles mortais, e que os antigos viessem me punir depois, mesmo tendo acabado de me encontrar com ela, eu já sabia que poderia deixar o mundo sem pesares...

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